Conforme acompanhamos na imprensa, neste mês de julho de 2012 a cidade Rio de Janeiro recebeu o título de Patrimônio Mundial da Humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), na categoria Paisagem Cultural Urbana.
Para os cariocas é mais uma forma de enaltecer o orgulho de viver no lugar que já tinha o apelido popular de Cidade Maravilhosa. Mas me chamou a atenção sobre o caráter deste reconhecimento, que é uma visão muito diferente de preservação de patrimônio que conhecíamos e é preciso conhecer um pouco mais.
O que estamos protegendo?
O entendimento anterior dos títulos de patrimônio que a UNESCO vinha concedendo tinha uma visão segmentada entre a arquitetura e a natureza: o bem cultural e o bem natural, que remete à Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da UNESCO de 1972.
A noção de bem cultural está relacionada com um conjunto arquitetônico original e representativo de um período histórico e sócio-cultural, como é o caso de Brasília, Ouro Preto, os centros históricos de São Luiz, Olinda, Diamantina.
Já o bem natural tem uma visão de proteção de sítios ecológicos, como a Reserva da Mata Atlântica, o arquipélago de Fernando de Noronha, Parque Nacional do Iguaçu.
Em ambas as visões existem o sentimento de proteção de patrimônio, a idéia de tombamento, classificação e não descaracterização dos sítios.
No caso do Rio de Janeiro, o título é da cidade como um todo e não significa necessariamente um tombamento ou congelamento da cidade.
Muito pelo contrário: como se sabe, em decorrência do volume de investimentos em decorrência dos eventos globais Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos de 2016, o Rio vem passando por grandes transformações urbanas, expansão imobiliária, abertura de novos corredores de transporte.
Tudo isso vem modificando a nossa “paisagem cultural urbana”. Então que patrimônio é esse?
Uma visão de patrimônio transformável
Esse título concedido ao Rio de Janeiro é inédito e pode ser considerado um novo paradigma para a própria classificação de bens e reconhecimento de patrimônio.
O documento reconhece como paisagens de valor universal Pão de Açúcar, o Corcovado, a Floresta da Tijuca, o Aterro do Flamengo, o Jardim Botânico, a Praia de Copacabana, e a entrada da Baía de Guanabara, o Forte e o Morro do Leme, o Forte de Copacabana e o Arpoador, o Parque do Flamengo e a Enseada de Botafogo.
Mas diferentemente dos outros documentos, as paisagens listadas não compõem em si mesmas uma área de proteção patrimonial, com descrição de limites. O título é maior que a Zona Sul e reconhece e inclui toda a cidade, suas favelas, áreas de periferia, subúrbio etc.
Essa é uma proposta muito inovadora do ponto de vista do patrimônio, pois reconhece a incapacidade de separar a paisagem do conjunto da cidade construída. A proteção do patrimônio e o desenvolvimento urbano estarão unidos num mesmo valor simbólico, em constante diálogo em favor de um conjunto que é a cidade, que se transforma e se reinventa.
Preservar, transformar e evoluir
Espera-se que esta reflexão sobre o prêmio abra o debate sobre mais esse valor e prioridade no conjunto da política urbana carioca.
Priorizar o que realmente importa na busca de uma cidade mais feliz e desenvolvida à luz desse novo paradigma implicará na responsabilidade de pensar as mínimas intervenções de um bairro.
Significará também avaliar a medida que um edifício, um comércio ou uma indústria incrementa ou deprecia o valor paisagístico cultural urbano da cidade Ainda que afastado das áreas de interesse turístico,
A medida deste valor paisagístico que se pretende preservar (ou aumentar) deve ser ainda comparada e ponderada com outras necessidades da cidade como aumento da renda, saúde, educação, geração de emprego, os relacionamentos sociais e afetivos, o envolvimento da sociedade nas decisões políticas e o compromisso com a sustentabilidade.
A partir desta nova possibilidade de se classificar o patrimônio cultural, o urbanismo vai precisar se reinventar como ciência exata – se é que já foi um dia.
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